quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Corra!

Três universitários semi-playboys resolvem aproveitar seu verão intensamente desbravando o continente sul americano. E como todo estudante de universidade pública, acham que conseguem absorver toda a cultura de um país em poucos dias, mal percebendo que apesar da proximidade geográfica há uma distância cultural gigantesca entre Brasil e Bolívia. Roupas, língua, costume, tratamento, higiene. É quase um mundo novo. Mas estes brasileiros não dão o braço a torcer, e ficam sustentando a pose “estudo na federal e compreendo o mundo” que todos estamos acostumados a ver.

Como a grana que o papai mandou é curta todo o trajeto é feito por vias terrestres. Para você que está acostumado a reclamar da malha rodoviária do Brasil, imagine a ausência dela. Lá estavam os três estudantes em um ônibus sem banheiro, sem ar condicionado, sem poltronas reclináveis e sem vergonha em mais um trajeto de cerca de 20 horas. Depois de apenas algumas horinhas foi feita a primeira das poucas paradas, no meio da floresta amazônica.

O público do ônibus era bastante variado, mas podia ser dividido em dois claros e distintos grupos: os bolivianos e os perdidos com cara de bobos com a palavra “gringo” piscando na testa. Ao descer do ônibus todos entraram no único estabelecimento a procura de banheiro e comida. Os brasileiros já perderam o ar de malandragem assim que repararam que a única comida disponível era uma macarronada servida especialmente à mão por um chola do tamanho da soma deles três. Por alguns minutos os viajantes ficaram indecisos entre matar a fome junto com o orgulho ou pedir pra sair. Acabaram sentando para comer seu banquete, enquanto davam risada da situação. Estavam nas primeiras garfadas quando ouviram o motor do ônibus dando a partida, mas, revestidos de sua razão, continuaram comendo com a certeza de que o motorista os esperaria. Doce engano. O ônibus arrancou e começou a partir, os três largaram seus garfos e sua arrogância, agarraram seus pertences e saíram correndo, comendo pó pela estrada de chão, atrás do ônibus, que não parou nem mesmo para seus gritos desesperados. O primeiro brasileiro alcançou o ônibus a tempo de pular para dentro do o veículo ainda em movimento, e o parar para ou outros que vinham depois. Final feliz para que pudessem continuar sua aventura e contar posteriormente a história em seus blogs.

domingo, 25 de setembro de 2011

(des)encontro

“Mas peixe não é carne!”
Essa guria deve ter algum problema cognitivo. Eu pergunto se ela gosta de peixe e ela diz que não come carne. Todo mundo sabe que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. E ela vem com essa. Eu realmente fiquei preocupado ontem quando a conheci, sabia que em algum momento ela iria mostrar um defeito. Se ela já sai falando isso no primeiro encontro imagina o que não vem depois...
“Mas por quê?”
Pra chamar atenção, claro. Deve ter algum problema de infância com o papai e quer ser rebelde. Tava bom demais pra ser verdade. E eu ainda reservei um restaurante de frutos do mar caríssimo pra essa noite, querendo impressionar, achando que ela era normal. Grande engano. Julguei pelas aparências.
“Mas então o que você come?”
Alface. Com certeza ela só come alface em público e depois vai comer uma picanha mal passada escondida. É impossível não comer carne, ela não estaria assim tão bonita e saudável se não comesse carne há tanto tempo. Todas as pessoas que eu conheço que são vegetarianas são depressivas. Agora não me lembro de nenhuma em específico, mas lembro que são depressivas. Esse sorrisinho dela é só fachada, certeza.
“Você está sendo acompanhada por um nutricionista?”
Tá querendo desafiar as leis na natureza. Minha mãe dizia bem claro: ‘Filho, se não comer a carne não tem sobremesa’. Sem carne uma pessoa não sobrevive, fica com anemia. Daqui a pouco ela vai decidir parar de respirar também? Só o que falta.
“É impossível cozinhar algo descente sem carne.”
Até tem aquele risoto de tomate seco que eu gosto, mas não dá pra viver só de risoto! No meu curso de chef eu não aprendi nenhum prato sem carne. E eu que achava que iria conquistá-la fazendo um jantar... Grande engano. Eu me irrito com essas pessoas que querem ser diferentes.
“Mas uma coisa é fato. O ser humano só evoluiu a mente por comer carnes. Isso não tem discussão!”
...
“Ei gatinha? Por que você ficou em silêncio agora?”

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Dedico a você que sabe que esta não é uma história nada original...

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Mais um Assalto

Terça-feira ensolarada na cidade grande. Uma garota saltitante caminha por um bairro-quase-nobre aproveitando o sol e pensando não na morte da bezerra, mas na possível tradução da prosa simbolista brasileira do início do século XX para o inglês. Por não se tratar de um assunto que se resolve em poucas quadras, a garota não percebe um cara estranho que se aproxima. É anunciado o assalto e a existência de uma arma que não dá o ar da graça em nenhum momento. A garota tem um momento inédito. Por algum tempo, não se sabe exatamente quanto, sua cabeça fica vazia. Não há nenhum pensamento. Não pensa em correr, chorar, gritar. Não pensa nem em dar o dinheiro e acabar logo com aquilo. Vazio.  Alguma coisa entre um transe e o estado de meditação. Até o assaltante fica irritado com a falta de qualquer reação: “Vamo guria!” e mexe no bolso onde está a suposta arma. Recuperando os sentidos a jovem abre a bolsa e dá o dinheiro que tem na carteira. O assaltante pega o dinheiro e sai, sem nenhuma pressa ou constrangimento, caminhando na direção oposta.

Neste momento a garota toma consciência do que acabou de acontecer e finalmente entra em desespero. Não pelo dinheiro perdido, que não foi muito, mas pelo medo concretizado da “falta de segurança pública” de todo pequeno-burguês neste país. Até este momento você deve estar pensando, grande coisa, isso acontece todo dia em toda a esquina. Mas o que acontece em seguida é que faz a leitura valer a pena.

Em prantos a garota sai andando, tomada por suas emoções, até um posto policial próximo. Mal conseguindo falar entre um soluço e outro ela conta aos policiais toda a história. Eles perguntam a roupa que vestia o vilão. Ela consegue resgatar dos registros daquele momento que sua cabeça pouco percebeu seu entorno. Jaqueta jeans e calça preta. Imediatamente dois policiais sobem em motos e saem na direção do assalto. Chegam à esquina de uma grande avenida e vêem o sujeito, que, de forma nada esperta, começa a correr assim que vê a polícia. Agora imagine a cena: um malandro correndo e dois policiais de motos que sobem na calçada perseguindo-o. O ladrão percebe que está em desvantagem e sai da calçada, passando a correr entre os carros que estão parados presos no transito. Derruba um senhor que veste um terno barato e carrega uma maleta. Este ao entender a situação agarra sua maleta e sai correndo atrás do ladrão para ajudar a polícia. Finalmente, no meio da avenida um dos motoristas agilmente abre a porta no exato momento em que o ladrão passava ao lado de seu carro, fazendo-o perder os sentidos e salvando o dia. Agora para nosso vilão só há um destino. Xilindró. 

domingo, 18 de setembro de 2011

Uma aventura em terras gringas

Quantas histórias têm guardada uma casa de 100 anos?    Quantas famílias, conversas, encontros e desencontros ela já presenciou? E agora está também impregnada com as minhas histórias. Escadas, sala, cozinha, móveis – ou a ausência deles, em todas as partes posso lembrar-me de muitos momentos, muitas pessoas. Fico feliz por estas paredes guardarem silêncio. Não que eu não tenha sido feliz aqui, mas algumas histórias devem ser guardadas com carinho.

E agora a história final. Partir. E não sem dificuldades. Partir para mim nunca é tão difícil. Já me acostumei a ir de um lugar para outro e me despedir. Já aprendi a desapegar do apego. Mas não é dessa dificuldade que estou falando. Acontece que esta casa foi alugada sem nenhuma formalidade. A proprietária é uma muito simpática mulher, que esteve sempre disponível para qualquer ocasião, principalmente cobrar o aluguel. Não foi feito contrato ou nada parecido. Eu mesma nunca fui muito adepta a burocracias. Na chegada foi feito um depósito caução, para o caso de algum estrago. Agora a simpática e disponível senhora sumiu com meu dinheiro. E para piorar tudo não estou em meu aconchegante país, mas num gringo hostil, onde tenho pouco ou nenhum direito civil.

Ela usa as armas dela e eu as minhas. Já que email e telefones não funcionam e eu não sei onde ela mora, apelo as mais incríveis e poderosas armas. Em primeiro lugar aquela que os mais impiedosos não hesitam em usar: Google. E não é que encontrei o endereço? A próxima arma já é um pouco mais rara, mas neste momento disponível: GPS.

Chegando à casa da criatura – e a esta altura já nem lembro de toda a simpatia – e depois de vencer os dois enormes e raivosos cães, ela aparece à porta com um sorriso. Convida-me a entrar muito gentilmente, como se eu fosse esperada. Eu sento no sofá e ela numa poltrona – quase um trono – e ao nosso lado Cindy, sua amiga e expectadora da linda cena que viria a desabrochar. Muito polida ela faz todo o discurso de como tentou entrar em contato. Eu ainda mais polida e sorridente falo que realmente deve ter acontecido uma série de desencontros, já que meu celular não registrou chamadas, não recebi emails e ela não me visitou desde que paguei a última parcela do aluguel. Foi uma incrível dança de polidas alfinetadas, tudo belamente encenado graças a nossa expectadora. Depois de contar sobre minha volta a meu país, meus planos de futuro e mais um saco de ladainhas, parti vitoriosa com meu cheque. 

sábado, 17 de setembro de 2011

Monstro

Li em algum lugar que a percepção do tempo – dividida em passado, presente e futuro – faz parte da condição humana. Quem escreveu isso não tinha uma rotina. A rotina faz com que os dias sejam tão parecidos que você já não sabe bem distingui-los uns dos outros, não sabe bem se um determinado fato aconteceu mês passado, ontem, hoje ou se foi só algo que você imaginou. Meu trabalho é minha rotina. Trabalho com o tempo. Ora, se o tempo é meu objeto de trabalho, e este me leva a uma rotina, que por sua vez é uma distorção da percepção do tempo, então já nem sei mais como concluir este raciocínio. Este é um dos problemas de se dedicar a vida a uma tarefa puramente teórica e especulativa. E eu que me preocupava com a sanidade dos meus professores...

Vamos começar novamente. Apesar de ter muito prazer em minha profissão estou sempre em busca de formas novas de quebrar a rotina. Viu? Não foi tão difícil começar de forma simples, sem muita viagem! Recentemente dei a meus alunos a tarefa de construir uma maquete, de acordo com a matéria que está sendo estudada. Isto os estimula a criatividade, faz com que aprendam o conteúdo de forma mais prazerosa e me faz sair da tão temida “zona de conforto” – que é o nome da moda para a nossa boa e velha: ROTINA. No caso do 7º ano o conteúdo são as Grandes Navegações. Fácil! Sentei com meus queridos alunos para termos idéias e distribuirmos as tarefas. Navios de papel, oceano de gel, as Pollys serão as pessoas, tragam os materiais na sexta. Crianças são muito criativas, mas é sempre preciso dar um empurrãozinho. Eu expliquei que seria interessante e divertido se fizéssemos um monstro marinho, já que as pessoas naquela época desconheciam suas limitações de conhecimento e acreditavam que existiam grandes monstros no oceano. Se tivéssemos um monstro em nossa maquete poderíamos ilustrar isto. Sexta-feira todos animados com suas idéias e materiais começamos a fazer a tal maquete e quando percebi lá estava o mostro em nosso oceano: Shrek.